Conheça as memórias de Neuza Varizi, há mais de 50 anos no Cartório de Registro Civil da cidade
- Felipe Lamellas
- 15 de jul. de 2022
- 3 min de leitura
Seja no início, no meio ou no fim, pelo menos uma vez na vida precisamos do cartório e em meio século de história, dona Neuza se orgulha de fazer parte da vida de muitos ferreirenses
Todo processo de memória é um esforço sobre o tempo. Seja nas primeiras horas de vida, nos grandes marcos de nossa trajetória, ou mesmo para atestar a hora e minuto de nosso último suspiro, nós estamos fadados ao registro.
A natureza da espécie humana se habituou ao longo do tempo a preservar instantes, seja por meio da arte, da escrita ou, mais recentemente, pelas máquinas fotográficas e celulares. No início de tudo, as motivações eram quase sempre instintivas, era preciso registrar as técnicas da caça, às ameaças do meio, depois, os registros foram ganhando tons mais filosóficos, poéticos, burocráticos, até mesmo fúteis.
Verdade é que tudo que não está registrado, mais cedo ou mais tarde, será esquecido. E eis a grande missão dos Cartórios, repositórios de memória, de vida e de morte, prolongar o inevitável esquecimento, atestar fidelidade e palavra. Mais do que uma profissão, um sacerdócio. E em Porto Ferreira, nobre missão é conferida há mais de meio século, pela popular e querida Neuza Varizi, do Cartório de Registro Civil.

Nascida em maio de 1947, na zona rural da cidade de Santa Cruz das Palmeiras, Neuza veio ao mundo pelas mãos de seu pai, Fiorello Varizi. “Ele foi a parteira”. Aos nove anos de idade, se mudou com a família para Porto Ferreira e aqui concluiu os estudos no Grupo Escolar Sud Mennucci.
O desejo de estudar sempre esteve presente em Neuza, mas as adversidades da vida, fizeram com que ela começasse a trabalhar logo cedo para ajudar seus pais. Ajudou a cuidar de bebês e de idosos. Fez amizades, que reconhece até hoje. “Eu tive muita sorte na vida, de encontrar pessoas maravilhosas".
Com muita determinação, apesar das dificuldades, conseguiu retornar aos estudos. Fez o segundo grau, se formou em Contabilidade e não parou mais. Estudou Letras e depois Pedagogia, com o intuito de aperfeiçoar seus conhecimentos em sala de aula. Se tornou professora e lecionou na cidade na escola Noraide Mariano. “Eu jurei que não ia dar aula, e amei ser professora!”.
Aos 23 anos de idade, a oportunidade de ingressar como auxiliar no Cartório do município, à época ainda operando dentro do complexo do Fórum, transformou para todo o sempre a trajetória de Neuza Varizi. Lá, entre togas e papéis, foi descoberto uma paixão que a acompanharia por toda a vida.
“Quando eu conheci juízes, promotores, aquela cultura, educação, simplicidade e firmeza, aí eu me encantei”.
Iniciava assim um longo vínculo que ultrapassa os 50 anos de história, entre dona Neuza e o Cartório de Registro Civil das Pessoas Naturais. Entrou como auxiliar, e em seguida passou a exercer a função de escrevente, em poucos anos, dada a sua dedicação e profissionalismo, foi nomeada para ocupar o cargo de Oficial Maior e em 7 de dezembro de 1985, tornou-se efetiva titular no Cartório.
Em todo este tempo, Neuza esteve presente na vida dos ferreirenses, nos momentos bons e ruins, na alegria e na tristeza. Quem não tiver um registro sequer feito por ela, que atire o primeiro carimbo.
“Se você juntar tudo nesses anos, dá muito mais de 100 mil registros ao todo, entre nascimento, casamento e óbito”
Mais do que apenas números, cada papel representa para ela a história de uma vida. “Cada um tem a sua história”. Nestes 50 anos, não faltaram demonstrações de sua fidelidade para com seu ofício. “Vim até morar mais perto do Cartório”. Ela conta que uma vez, durante um baile, avistou um carro funerário e, com descrição, se retirou da festa para expedir no cartório a certidão de óbito. “É no momento que estão precisando de mim. Sempre atendi com a maior boa vontade, nunca foi sacrifício”.
Com zelo e firmeza, necessários à profissão, Neuza é a guardiã de grande parte da história da cidade. Dos que estão e dos que se foram. “A mesma responsabilidade que eu tinha com aquelas crianças confiadas a mim, enquanto professora, eu tenho em cada documento que a mim é confiado, até hoje. Nada disso é meu, é tudo da comunidade”.
“Tudo começa e termina aqui. É uma profissão que você não tem o direito de errar. Um erro pode causar um prejuízo financeiro ou moral”.
O projeto Porto de Memórias foi idealizado pelo ferreirense e jornalista Felipe Lamellas e se propõe a contar histórias de vida de personalidades marcantes para a cidade, conhecidas ou não. O objetivo principal é resgatar e preservar a memória da comunidade local, contando histórias, causos e lembranças de membros da sociedade, que se confundem com a própria história da cidade.
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